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Paulo Freire: 100 anos do autor que levou a política para a sala de aula

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Por Gabriel da Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

Paulo Freire ganhou notoriedade com suas jornadas de alfabetização no sertão nordestino, no começo dos anos 60.| Foto: Arquivo / Instituto Paulo Freire
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No ano de seu centenário, Paulo Freire continua vivo no debate nacional. O educador pernambucano, nascido em setembro de 1921, deixou uma marca tão profunda na educação brasileira que, até recentemente, era praticamente impossível encontrar contestações à sua obra nas faculdades de Pedagogia país afora. Mas, afinal, qual é o legado de Paulo Freire?

Paulo Reglus Neves Freire formou-se em Direito no Recife na década de 40. Logo depois, passou a trabalhar no Serviço Social da Indústria (Sesi), mais especificamente com a educação de adultos. Em 1959, tornou-se professor da Universidade de Recife. Em 1963, convidado pelo governador Miguel Arraes, passou a integrar o Conselho Estadual de Educação. Em 1964, com o golpe militar, exilou-se no Chile. Àquela altura, seu nome já era conhecido dentro e fora do país.

Freire ganhou notoriedade com suas jornadas de alfabetização no sertão nordestino, no começo dos anos 60. Seus mutirões ficaram conhecidos por supostamente alfabetizarem adultos em um mês e meio. O método de ensino divergia do sistema adotado naquela época. Em vez de ensinar as letras, para que os alunos gradativamente as associassem com os sons que formam as palavras, o educador começava com um objeto concreto, preferencialmente do universo do estudante, e já apresentava a palavra inteira. Mais adiante é que a palavra seria decomposta em “tijolos” para a formação de outras. Em um primeiro olhar, o método parece ideologicamente inócuo. Mas, para Paulo Freire, esse era apenas um aspecto de um ensino que visava, como objetivo final, à “consciência revolucionária”.

Os objetivos de Paulo Freire ficaram mais claros em 1968, quando ele publicou sua obra mais importante: A Pedagogia do Oprimido. Misturadas com observações práticas sobre a melhor forma de ensinar crianças e adultos a ler, o livro traz diversas insinuações políticas de caráter marxista. Nele, Freire traça uma linha entre opressores e oprimidos, que atravessa a sociedade de cima a baixo. Segundo ele, as relações de opressão existem até mesmo dentro da família. A tarefa do professor, muito mais do que ensinar o aluno a ler, é dar-lhe “consciência crítica”, um termo emprestado da literatura marxista. Munido dessa consciência, o estudante então tomaria o seu lugar no “processo histórico” – que, na concepção de Karl Marx, levaria a humanidade ao socialismo.

“Não basta saber-se numa relação dialética com o opressor – seu contrário antagônico – descobrindo, por exemplo, que sem eles o opressor não existiria, para estarem de fato libertados. É preciso, enfatizemos, que se entreguem à práxis libertadora”, afirma Freire em A Pedagogia do Oprimido.

Nas décadas seguintes, Paulo Freire não só se tornou o autor mais lido em faculdades de pedagogia Brasil afora, e em muitos países estrangeiros, como teve, ele mesmo, a oportunidade de implementar o seu projeto pedagógico. Primeiro, ele fez uma incursão pouco notável como consultor do Ministério da Educação da Guiné-Bissau, convidado pelo líder socialista Amílcar Cabral. Depois, ele foi escolhido pela prefeita Luiza Erundina (PT) para ser o secretário de Educação da cidade de São Paulo. Ele ocupou o cargo por dois anos e meio, entre 1989 e 1991. Na primeira carta que mandou aos profissionais de educação da cidade, ele escreveu: “A escola é também um espaço de organização política das classes populares.” No mesmo texto, ele afirmou que “o filho do trabalhador deve encontrar nessa escola os meios de ‘autoemancipação’ intelectual independente dos valores das classes dominantes”. Pouco havia mudado em relação Paulo Freire dos anos 60.

Freire tentou “democratizar” a gestão, dando mais poder às escolas. Ele também pretendia ensinar a escola em ciclos – sem reprovação ou aprovação nos moldes tradicionais. Mas houve poucas mudanças concretas nessa direção.

Se é verdade que, nos anos finais de sua vida, Freire expressou suas ressalvas a versões mais autoritárias do socialismo, também é fato que não abriu mão da sua tese de que a sala de aula deve ser politizada. Em seu livro Pedagogia da Autonomia, de 1996, Freire critica “a ditadura de direita ou de esquerda”. Mas, mais adiante, insiste na tese de que o professor deve ter um posicionamento político contra o capitalismo: “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. (…) Não posso ser professor a favor simplesmente do homem ou da humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. (…) Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura”. Em outra passagem, Freire volta ao tema: “O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca.” O educador morreria um ano depois da publicação do livro.

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