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Voto técnico e sensato de Mendonça contrasta com o ativismo judicial e a ameaça de censura

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Foto: reprodução

Editorial Estadão

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece salvaguardas essenciais ao debate público no ambiente digital. Pela lei, as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos publicados por seus usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção: um modelo que impede tanto a censura privada quanto a impunidade. Ao condicionar a responsabilização à deliberação judicial, o marco garante que o poder de censura continue nas mãos do Estado de Direito, e não de algoritmos ou burocratas corporativos.

É essa regra que está sob ameaça. Os votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux rasgam a letra e o espírito do marco, ao propor a responsabilização imediata das plataformas sempre que notificadas por usuários. Nas práticas sugeridas – remoção sumária, responsabilização automática, punição sem mediação judicial – emerge um novo modelo de censura, em que empresas privadas, sob risco de sanção, devem decidir o que é verdadeiro ou aceitável. Toffoli atribui às plataformas obrigações vagas e ilimitadas, propõe a criação de uma instância estatal de vigilância permanente e sugere um “decálogo” de remoções obrigatórias, sem previsão legal. Fux quer inverter o ônus da judicialização: as redes deveriam, primeiro, remover qualquer conteúdo notificado e, só depois, recorrer à Justiça para restabelecê-lo. Um atropelo ao devido processo legal.

Contra essas tendências alarmantes se ergueu o voto de André Mendonça. Com um raciocínio jurídico robusto, o ministro reafirmou a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito e rejeitou o ativismo judicial disfarçado de proteção institucional: cabe ao Congresso deliberar sobre o regime legal da internet; não é papel do STF reescrever a lei à luz de circunstâncias políticas ou ansiedades sociais; e o artigo 19 não só é constitucional, como é eficaz para equilibrar direitos fundamentais e liberdade de expressão.

Mendonça lembrou que as plataformas já moderam bilhões de publicações com base em seus termos de uso, alertou para os riscos de transformar a liberdade de expressão em concessão condicional e foi firme ao declarar a inconstitucionalidade da exclusão de perfis inteiros – salvo quando falsos ou criminosos – como censura prévia.

O contraste é gritante. Enquanto Toffoli e Fux propõem um retrocesso perturbador, que terceiriza a censura e multiplica riscos de abuso, Mendonça preserva a arquitetura institucional construída pelo legislador após anos de deliberação e ampla consulta pública. Ele reconhece que a liberdade de expressão só é plena quando protegida contra o arbítrio estatal e o privado.

O voto de Luís Roberto Barroso, embora menos desatinado que os anteriores, também enfraquece a exigência de ordem judicial, ao permitir remoções baseadas em notificações em casos que vão além dos crimes contra a honra. Seu modelo do “dever de cuidado” acena à moderação, mas é conceitualmente inconsistente, normativamente inseguro e operacionalmente perigoso. Ao estabelecer padrões vagos como “falhas sistêmicas” e atribuir às plataformas uma responsabilidade difusa pelo ambiente digital, Barroso inaugura um regime de incerteza que, embora menos desastroso que o de Toffoli, ainda compromete a liberdade de expressão e incentiva a remoção preventiva.

Tudo indica que a tendência da Corte é pela inconstitucionalidade do artigo 19. A ser assim, espera-se que o voto de Mendonça ao menos influencie os ministros a conterem danos, adotando critérios objetivos e limites claros, como os que Barroso ensaiou – imperfeitos, mas preferíveis ao arbítrio puro. Ainda assim, será uma derrota para a democracia brasileira. Uma vez aberta a porta da censura difusa, será difícil fechá-la.

O voto de Mendonça não é só tecnicamente impecável. É um alerta institucional e uma reafirmação da separação dos Poderes. Em tempos de histeria regulatória, é bom saber que ainda resta, na mais alta Corte, quem compreenda que a liberdade de expressão é o primeiro e último bastião das sociedades livres.

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