
Por Geraldo Eugênio / Jornal O Sertão*
O primeiro é uma grife para cidades como Salvador, Recife e Olinda. Quem gosta da folia, dentro ou fora do país, já ouviu falar nesses locais. Salvador caracterizada pelo afoxé, seus blocos e o trio elétrico. Constitui-se em uma festa admirável em que se une o sincretismo religioso, o samba e as tradições baianas. Provavelmente, em termos de mídia, Salvador é o segundo local em termos de cobertura, sendo superado apenas pelo Rio de Janeiro.
O Recife antigo com as alegorias que parecem sair dos baús, os blocos, o frevo de Nelson Ferreira, Capiba, Claudionor Germano e tantos outros. Canções imortais que são cantadas ano a ano e não envelhecem. E aí vem Olinda, Elefante, Vassourinha, seus bonecos, seu sítio histórico onde a multidão sobe e desce extasiada. Não há idade, problema de coluna, reumatismo, enxaqueca, espinhela caída. Sudo se resolve nas ladeiras de Olinda. Só me faz lembrar o FortVita, um medicamento de laboratórios de fundo de quintal que corrige tudo e deixa novinho em folha.
Mas no Sertão, meu velho, não tem disso não. Festa é o São João. Há a vantagem de que as comemorações que começam com Santo Antônio no dia 13 de junho, atingem seu ápice no dia 23 e terminam no dia 29 homenageando São Pedro, é inigualável. No interior, mais do que qualquer festival de música, hoje, basicamente sertaneja, o que mais importa são as festinhas da família. Na roça. É lá onde o chapéu de palha, a camisa quadriculada, o vestido de chita valem tanto quanto a novena. Antes de ontem, tive a oportunidade de, com um casal de amigos, Francisco e Patrícia, visitarmos Elizabete, que resolveu abandonar a vida citadina e se instalar na Mata Grande, distrito de São José de Belmonte.
Elizabete tem uma casa aconchegante com móveis regionais pintados como se estivesse reverenciando Frida Khalo. Talvez seja isto mesmo, rodeada de árvores e sombra. A sombra é o melhor que se pode esperar de um quintal sertanejo. É nela que negócios são feitos, casamentos arranjados, desfeitos, a cachaça é saboreada com o bode assado. Foi neste paraíso que passamos a noite de São João.
A música, a moda, o forró.
A animação foi tanta que cantamos à luz e ao calor da fogueira. Este símbolo do festejo e fogão para o milho verde não presenciava há anos. No mato é diferente. A maioria das residências ainda acende a fogueira às dezoito horas. Seja para reconhecer o valor de São João, ou para espantar os maus espíritos, como aprendi em minha infância, o fato é que quem nunca observou as chamas tomando conta daquela arquitetura de lenha, provocando sombras, emanando calor, não sabe o que é o São João na roça.
A culinária à base de milho.
O milho verde é aquilo que cada casa espera contar na noite de São João. Este ano as chuvas foram erráticas e tardias, começando a chover na região de Serra Talhada ao redor de abril, mas o fato é que não faltou o milho verde, cozido ou assado, a canjica, o bolo de massa puba. Elizabete e Socorro nos esperaram com um espaguete ao alho e óleo delicioso e uma fartura de frango, suíno e bode assados. Fartura de sertanejo e sua hospitalidade.
Para não dizer que ficou em nossos pratos, Sonia e Patrícia inventaram de fazer o pela égua, uma canja de textura média de farelo de milho cozida com costelinha de porco marinada e devidamente temperada. Há pratos similares no Sertão, mas nunca tinha provado esta receita capixaba, de descendentes de italiano, para a época fria.
Uma outra iguaria não tão bem apreciada pelos nordestinos é o manguzá doce. Feito com milho sem pericarpo e germe, cozido em fogo lento com leite de coco, coco ralado, açúcar e temperado com paus de canela e dentes de cravo. No Espírito Santo e em todo Sudeste, nosso manguzá é conhecido como canjicão, que ainda leva amendoim em várias regiões. Há uma diferença marcante entre o manguzá doce e o salgado. Este último é um dos pratos preferidos dos sertanejos de Pernambuco e da Paraíba. Trata-se de uma receita que leva sal, o milho é cozido ao lado do feijão e temperado com o que se tem de carnes, prevalecendo o charque, a linguiça, mas também o joelho, a rabada e as orelhas de suínos, o charque e uma linguiça toscana não fazem mal. Ao que parece, o manguzá do Sertão deve ter sido originado pelos tropeiros que, não podendo contar com o feijão de arranca, improvisaram a mistura com o milho e com as carnes que achavam disponíveis.
Por último, para atiçar o pecado da gula, lá estava o bolo de massa de mandioca puba, processada a partir da imersão das túberas em água por um período que vai de quatro a dez dias. Exatamente como nossos povos tradicionais processavam a mandioca. Esta massa é misturada com leite de coco, coco e torrada em bandejas de alumínio ao ponto de corte. O problema da gula é que ela lhe encanta de tal modo que alguém descobre o exagero quando comeu muito mais do que deveria. Este foi o caso.
Tempo de agradecer o período de chuvas.
Além do mais, o São João sertanejo coincide com a época de colheita do milho verde. É um momento de agradecimento. Este ano, as precipitações foram escassas e tardias, mesmo assim há muito o que se agradecer. Alguns reclamam da falta de água armazenada para os animais, outros que não colheram o grão de milho, mas a temporada não foi das mais negativas em relação ao feijão de corda, além da produção de pasto considerada abundante nesta época do ano. Viva São João, Santo Antônio e São Pedro e que se trabalhe na perspectiva de contarmos com boas trovoadas a partir do mês de novembro.
*Professor titular da UFRPE-UAST