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Recuperação da caatinga em pauta

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Foto: divulgação

Por Geraldo Eugênio*

A agricultura e a pecuária são atividades que por si demandam áreas limpas. Não há como se produzir alimentos na escala demandada pela humanidade sem que se priorize a produtividade e, portanto, uma produção tecnificada e eficiente do ponto de vista biológico. Contrariando a lei de Malthus, há como se dispor de alimentos e a matéria-prima necessária ao sustento da humanidade sem que as florestas do planeta devam ser consumidas. Este é o fato. 

No Brasil, a discussão sobre desmatamento não é fácil. Há os que defendem o uso intenso das áreas passíveis de cultivo em todos os biomas. Existem os que não consideram um avanço se contar com uma legislação ambiental que preserve uma parte das floretas, córregos, nascentes e se aqueles que consideram que a escritura pública lhe dá o direito de tratar o imóvel como um objeto abstraindo-se de qualquer responsabilidade para com o passado e com o futuro.

A visão sobre o que representa a caatinga por parte de uma fração significativa de habitantes desse bioma se enquadra nos grupos acima mencionados. Continua-se a ver esta cobertura vegetal como algo simplório, sem maior valor econômico e, portanto, suprimi-la não trará maiores implicações sobre o clima e o bem-estar dos que vivem no Semiárido. Por incrível que possa ser, o uso das árvores da caatinga como lenha ou carvão vegetal continua sendo defendido, ou tomado como algo determinado. São vários os segmentos empresariais que usam a lenha como principal fonte energética e insistem em justificar esta situação alegando que qualquer outra fonte de energia é inviável do ponto de vista econômico. A pergunta que deve ser feita é se essas cadeias produtivas não conseguem agregar valor em seus produtos que permitam o uso da energia elétrica, solar ou mesmo de derivados do petróleo, qual será a razão pela qual persistem indutoras do desmatamento de um bioma fragilizado?

Um ativo subestimado do ponto de vista da bioeconomia.

Em alguns momentos foi discutido aqui poucas são as atividades econômicas derivadas da caatinga que apontam para um uso sustentável. Dentre essas se destacam a movelaria, o artesanato, a cosmética, a farmacologia,  o turismo. Ao se visitar comunidades que privilegiaram o uso artístico ou industrial das espécies da caatinga, sejam plantas, microrganismos, animais o que se vê são exemplos de prosperidade e de uma convivência harmônica com a natureza a exemplo da Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar ou o povoado de Entremontes, em Piranhas, em Alagoas e Triunfo, em Pernambuco.

O mais estratégico de todos os bens ainda não foi devidamente lembrado, a riqueza genética caracterizada por centenas ou milhas de genomas de organismos que evoluíram em ambientes expostos a estresses hídricos e calor intenso. O futuro da humanidade repousa sobre o desenvolvimento de práticas agrícolas adaptadas a um planeta que se aquece e que tem testemunhado uma mudança radial em seu clima. O segredo desta Arca encontra-se nas regiões áridas e semiáridas do mundo, logo é inadiável que se procure criar os instrumentos necessários ao desvendamento e uso das informações que estão impressas no DNA das espécies dos ambientes secos e desérticos.

Contar com uma boa legislação é salutar mas não o suficiente

Dentre os que se preocupam com a caatinga, o avanço na tramitação do PL 199O/2024, que cria a Política Nacional para a Recuperação da Caatinga foi muito bem recebido. O projeto será  apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e tratando-se de uma pauta de interesse geral é de se assumir que logo mais esteja sendo submetida à apreciação do executivo. Existem riscos do surgimento no corpo do projeto dos conhecidos ´jabutis` ou enxertos que normalmente atendem interesses nem sempre razoáveis do ponto de vista moram ou ético, embora espere-se que este não será o caso desta peça legislativa

O fato de se contar com uma legislação pertinente não significa que em pouco tempo não esteja sendo questionada e posta em risco, a exemplo do código florestal, um arcabouço jurídico que foi construído a partir de uma longa discussão e que agora encontra-se sob risco do desmanche dos mecanismos de proteção às áreas de reserva legal e de proteção ambiental.

Voltando ao real, ideias que devem ser levadas em consideração

Contando-se com  uma legislação que induza à recuperação  da caatinga algumas práticas devem ser encaradas como passiveis de aplicação pelo que representam em termos de custos e aplicabilidade, como se segue:

Pousio – Em um ambiente em que as chuvas e concentram em um período médio de três meses há de se supor que a prática mais racional de reflorestamento é o pousio. Lacração das áreas degradadas por um período longo, entre quarenta e cinquenta anos, permitindo que os roedores, as aves, os marsupiais, as chuvas, o vento exerçam em sua plenitude o mecanismo de dispersão de sementes e material vegetativo. Ao se criar mecanismos de compensação aos que evitam o desmatamento e aqueles que permitem a recuperação florestal, a um custo relativamente baixo haverá um aumento das áreas  cobertas pela caatinga em todos os estados da região Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Apicultura-meliponicultura – A criação de abelhas através da instalação de apiários ainda é a mais eficiente política ambiental de proteção à flora da caatinga. Os efeitos da produção de mel e derivados soba economia local, o bem estar das comunidades, a valorização das floradas e, consequentemente da flora deve receber caráter especial e distingo dentre os sistemas passíveis de financiamento e apoio como política pública.

Bioeconomia da Caatinga – Neste componente o que se destaca é a necessidade de uma ação dirigida, concentrada e articulada que trate da identificação de genes ou segmentos de DNA que confiram tolerância à estresses hídricos e temperaturas elevadas, bem como no uso de medicamentos e essências extraídas dos organismos. Iniciando-se pela construção de uma política que permita a repartição de benefícios justa com os habitantes e a preservação do semiárido.

As vitórias se dão pelo acúmulo de detalhes bem estudados e executados. Que assim seja no caso da legislação em relação à Caatinga. Nada de sebastianismo ou o culto seca à pobreza e à miséria, mas um olhar dirigido às riquezas e oportunidades da caatinga como dito de modo tão pertinente pelo professor Mário Antonino.

*Professor titular da UFRPE-UAST

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