
Uma visita a Riacho Fundo, Araripina
Por Geraldo Eugênio / Jornal O Sertão*
Entretanto, é consenso entre os ecologistas e geneticistas que, sem o trabalho de milhares de espécies de insetos que evoluíram com as plantas que polinizam, teria havido um grande choque adaptativo e talvez algumas espécies dos dois grupos não teriam sobrevivido.
Certamente, a coevolução de insetos e plantas não se restringe apenas à cor, ao formato e ao perfume das flores ou ao número de pétalas, mas também aos teores de açúcar do néctar e de proteína contida no grão de pólen. Já no caso das abelhas, pode-se listar o formato das asas, o tamanho da língua e a capacidade de transporte pelas operárias, já que as rainhas e os zangões têm outras características específicas, alimentação única e estilo de vida próprio.
A produção de mel provavelmente foi a função das abelhas que primeiro chamou a atenção durante séculos. O homem sempre foi atraído pelo sabor doce e, antes de os indianos aprenderem a fazer o açúcar, um dos únicos produtos para adoçar os alimentos era o mel. Obviamente que não se tratava de um produto para o homem comum, sempre muito caro, restringia-se à realeza e aos nobres.
Ao se descobrir como do caldo de cana se poderia fabricar o açúcar e a cachaça, uma revolução culinária e de prazer foi posta em curso. Em alguns momentos, o açúcar foi abundante, em outros, uma preciosidade e objeto de pirataria, invasões, quebra de tratados e acordos entre nações, envolvendo até a igreja católica em alguns contenciosos. Um bom exemplo foi a presença holandesa em Pernambuco por trinta anos, quando o principal objeto de desejo era o cristal doce aqui produzido.
Sem polinização, não há vegetação.
Com o avanço nos estudos da botânica e na reprodução de plantas, consolidou-se a importância dos polinizadores na evolução das espécies, em especial em um grupo de plantas conhecido como angiospermas, aquelas que produzem frutos. Há exceções, mas predominantemente, para se gerar um fruto, há a necessidade da polinização, da fecundação e do desenvolvimento das sementes e frutos. É neste sentido que a ameaça às abelhas é um sinal vermelho à produção agrícola e à disponibilidade de alimentos. Até para a agricultura comercial, a exemplo da cultura da soja, é sabido que a presença de colmeias eleva a capacidade produtiva das lavouras. Diversas são as fruteiras que exigem a presença de um polinizador. Nessas, os grãos de pólen são pesados o suficiente para não serem transportados pelo vento ou devido à autoincompatibilidade, quando o pólen da mesma espécie é incapaz de promover a germinação e a fecundação de um ovário na mesma planta.
Há um terceiro aspecto que nem sempre é lembrado quando se discute apicultura e meliponicultura, a contribuição das abelhas em defesa das matas e florestas. Alguém pode imaginar o que seria um Sertão sem a produção de mel? O que teria restado da caatinga? Provavelmente, além das reservas públicas, as áreas de reserva legal, protegidas por lei na maioria das propriedades rurais.
Uma visita a Riacho Fundo, Araripina.
Na última semana tive a oportunidade de ir ao Araripe fazer uma visita ao Sr. Edinho, presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar de Riacho Fundo, um distrito trinta e seis quilômetros distante da sede do município. Pega-se a estrada com destino a Gergelim, uma comunidade grande, tipicamente agrícola e com um comércio expressivo, e de lá, em estrada de barro, dirige-se a Riacho Fundo. A cooperativa em referência tem como uma das principais atividades econômicas a produção de mel e produtos derivados, embora seus membros explorem atividades como a fruticultura, a produção de hortaliças e a criação de pequenos animais.
A conversa com o Senhor Edinho é uma aula sobre a importância, manejoe biologia das abelhas. Algumas colmeias chegam a possuir uma população de até sessenta mil indivíduos. Organizados de forma impecável. Para se ter uma ideia de quão sensível é seu mecanismo de localização, a abelha é capaz de voar em um raio de um mil e quinhentos metros a fim de obter néctar, pólen ou água. Um outro exercício laborioso e criativo é o do controle de temperatura no interior das colmeias com o transporte de milhares de gotinhas de água em seus alvéolos, borrifando a casa aquecida.
A cooperativa conta também com uma casa de mel financiada por recursos federais, entregue em 2013, mas que, de tão bem zelada e limpa, parece que foi inaugurada recentemente. Um tento louvável para a cooperativa de Riacho Fundo.
O laboratório de qualidade do mel.
Por mais nutritivo e saboroso que seja, o mel não chega ao mercado sem necessitar de cuidados quanto à pureza e qualidade. Contar com um laboratório que possa destacar os atributos dos produtos, identificar impurezas, detectar fraude e certificar a produção faz a diferença. Este instrumento está sendo disponibilizado aos apicultores e meliponicultores de Pernambuco através da implantação de um laboratório de qualidade de mel sob a liderança da Professora Renata Valéria e sua equipe da UFRPE em Recife.
Não poderia esquecer que hoje é o dia mundial da abelha. Que a humanidade reconheça seu valor e cuide de protegê-la, sabendo que esses pequenos insetos são grandes aliados da alimentação e do meio ambiente.
*Professor titular da UFRPE-UAST.