
José Dirceu está mais solto do que nunca. O ex-guerrilheiro andou meio na encolha desde que deixou a prisão definitivamente, em novembro de 2019. Mas no início deste ano, entrevistado pela CNN, avisou: “Vou passar a falar publicamente, participar do debate público”.
Dito e feito. Desde então, Dirceu não para de aparecer em eventos, dar pitacos na imprensa e o principal: conquistar, como quem não quer nada, seu espaço no primeiro escalão do governo.
Não que ele tivesse deixado de operar nos bastidores. A diferença, agora, é que a velha raposa saiu da sombra. E vai trabalhar para a reeleição de Lula em 2026 — com direito até a um encontro, fora da agenda oficial, com o presidente no próprio Palácio do Planalto, antes do primeiro turno das eleições municipais.
Ao longo deste agitado “Ano Dirceu”, ele roubou a cena nos eventos de aniversário do MST (em janeiro), do PT (março) e do nonagenário ex-presidente José Sarney (abril). Na própria festa, em março, comemorou seus 78 anos ao lado de juízes, empresários, jornalistas e políticos de praticamente todos os partidos.
O banquete, financiado em Brasília por amigos advogados, ainda marcou uma das raras aparições públicas do ex-presidiário com a namorada — Danyelle Galvão, de 41 anos, juíza substituta do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, nomeada por Lula.
No início de abril, o ex-deputado discursou no Senado em uma sessão solene em alusão aos 60 anos do início regime militar. Foi sua primeira passagem pelo Congresso desde sua cassação, em 2005.
Em julho, José Dirceu viajou para a China, onde visitou Dilma Roussef (presidente do Banco dos Brics), lideranças do Partido Comunista e representantes de bancos estatais. De lá, decretou para os correligionários: o Brasil precisa se aproximar ainda mais de Pequim.
No segundo semestre, o ex-ministro da Casal Civil embarcou em diversas campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados por todo o país. Com destaque para sua participação numa caminhada em apoio a Guilherme Boulos (PSOL), no dia anterior à votação do segundo turno em São Paulo.
Na ausência de Lula, ele foi o grande nome “histórico” do encontro — e o mais festejado pela militância.
Ainda em outubro, veio a notícia que faltava para o petista “liberar geral”: a anulação de todas as suas condenações no âmbito da Operação Lava Jato, determinada pelo ministro do STF Gilmar Mendes (em maio, o Supremo já havia decidido extinguir sua punição pelo crime de corrupção passiva).
A última sentença de Mendes abre caminho para que Dirceu concorra a um cargo em 2026. Questionado sobre uma provável candidatura à Câmara dos Deputados, por São Paulo, o político desconversa, e diz que só vai decidir no final de 2025.
Dirceu quer “arrumar a casa” e depois atrair a centro-direita
Seria um retorno “triunfante” ao Congresso, aos 81 anos, para encerrar uma trajetória pública manchada por acusações de corrupção. Mas, na cabeça de um militante revolucionário como José Dirceu, o que está realmente em jogo é a manutenção do poder.
Para isso, ele vem atuando em duas frentes. A primeira é dentro do próprio partido, que ele pretende reunificar e reformular. Tanto que, logo em janeiro, tratou de passar um sabão na presidente da legenda, Gleisi Hoffman.
Gleisi não estava fazendo muita questão de esconder seu descontentamento com a atuação de Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda, e acabou recebendo um recado do veterano.
“Discutir, debater dentro da bancada, do ministério, do partido e com o governo, tudo bem. Mas quando o governo apresenta uma política, nosso papel é apoiar. No caso do Haddad, é quase uma covardia nós não darmos apoio total a ele”, disse Dirceu para um podcast do PT baiano.
O ex-ministro já mirava a sucessão interna do partido, programada para 2025. Na última quinta-feira (5), inclusive, ele e o filho, o deputado federal Zeca Dirceu, organizaram um jantar para parlamentares petistas justamente para tratar do assunto — e promover o candidato de sua corrente à presidência nacional da legenda (Edinho Silva, prefeito de Araraquara).
Em paralelo, José Dirceu tem uma meta ainda mais ambiciosa: aumentar a frente partidária que elegeu Lula em 2022, trazendo toda a centro-direita para o lado dos petistas.
Pelo menos três fatores o credenciam para essa missão. Começando por sua fidelidade, uma qualidade prezada, porém nem sempre observada no jogo político.
Não custa lembrar que o deputado cassado segurou o rojão durante todo o escândalo do mensalão, suportando calado durante mais de dois anos de prisão, sem sequer ensaiar uma delação capaz de respingar em Lula.
Dirceu também é conhecido por ter bom trânsito entre empresários, magistrados e lideranças políticas das mais variadas tendências. E, se comparado aos fraquíssimos articuladores do PT na atualidade, representa no mínimo uma opção experiente para salvar a pele do presidente daqui a dois anos. (Gazeta do Povo)