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Ouricuriense vive em situação de miséria em túnel do Recife

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Diário de Pernambuco / Foto: reprodução

Tia fala pouco. Assim como pouco é tudo ao seu redor. Quando tinha saúde, frequentava a rua, conversava com alguns vizinhos. Depois do AVC, ficou refém da cama e da boa vontade alheia. Se come, é porque a única amiga, Cida, lhe leva o café da manhã, o almoço e o jantar. Tia é como lhe conhecem, mas diz se chamar Maria de Lurdes Ferreira da Silva, nascida em 2 de fevereiro de 1949. Não tem documentos para comprovar as informações. Até prova em contrário, é como se não existisse no mundo. É quase isso mesmo.

Para chegar à “casa” de Tia, é preciso abaixar a cabeça e parte do corpo. Enfrentar lama e muito lixo no caminho. Tem também a escuridão e os animais. Pela manhã, muitos gatos, de todos os tamanhos e cores. À noite, os ratos, as baratas e as muriçocas. Tia habita um vão do Túnel Augusto Lucena, sob o Viaduto Tancredo Neves, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife. O espaço tem 1,90 m de altura, 12 m de comprimento e três metros de largura. É ocupado por duas camas, sendo uma de casal e uma de solteiro, além de uma caixa de isopor – onde estão as roupas de Tia – uma pequena mesa de plástico sobre um tapete velho e fogões, muitos fogões velhos e inutilizados.

Quando a madrugada chega, os vizinhos moradores da Fazendinha, favela da vizinhança, escutam os gritos de Tia. Seriam pedidos de socorro, contam. Ela mora sozinha. A filha vive numa comunidade próxima e foi convocada por Aparecida Alves, 54, a Cida, a dar banho na mãe todos os dias. A relação é difícil. E Tia segue dependendo dos outros para tudo.

A única amiga conta que Tia tinha um marido e vivia na Rua Alameda das Hortênsias, no bairro do Coqueiral, no Recife. O homem, um aposentado, morreu e ela teria ficado sem assistência. “Tia não ficou com a aposentadoria do companheiro porque entregou os documentos para um homem que prometeu resolver o dinheiro para ela e nunca mais voltou”, contou Cida.

Há dez anos, Tia passou a ocupar o vão. Antes do AVC, limpava e arrumava o espaço com prazer. Agora, não tem condições de cuidar do que convém chamar de lar. Um televisão quebra o silêncio, a solidão e a escuridão do pequeno espaço. Tia precisa usar fraldas descartáveis diariamente. O vão, obviamente, também não conta com banheiro. Não foi projetado para moradia. Não é lugar para um ser humano ficar. Ainda mais quando se trata de alguém doente.

Chegamos à história de Tia através da defensora pública Lêda Pessoa, coordenadora de Defesa dos Direitos da Minoria. Em fevereiro, ela recebeu a informação de que uma mulher que sofrera um AVC estava vivendo em condições degradantes e, inclusive, sem documentos. “Ela disse ser natural de Ouricuri e comecei a procurar a certidão de nascimento dela por lá. O cartório, no entanto, respondeu que havia passado por um incêndio em 1987 e perdido tudo”, contou Leda. O próximo passo da defensora pública foi procurar o Instituto Tavares Buril (ITB) para certificar-se se Tia já teve algum registro na instituição. A resposta, no entanto, ainda não foi dada. “Com a documentação, poderemos entrar com pedido do benefício de prestação continuada e ela pode ser encaminhada para um lugar melhor”, pontuou Leda.

A mobilização da defensora pública chegou também a uma equipe da Secretaria Estadual de Saúde, que já esteve no local para verificar o estado de saúde de Tia. “Estamos lutando para ela ser atendida o mais rápido possível em um hospital. Ela corre sérios riscos vivendo aqui com sequelas de um AVC.” A história de Tia fala sobre ausência de direitos e de humanidade. Mas também conta muito sobre o poder emanado de uma mobilização pelo outro.

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