
No dia seguinte à chegada da denúncia contra Bolsonaro, o STF livrou numa canetada mais um petista corrupto confesso. Assim fica difícil acreditar na imparcialidade do tribunal
Editorial Estadão
No dia seguinte à chegada da denúncia contra Jair Bolsonaro e outros 33 acusados de tramar um golpe de Estado, entre outros crimes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli livrou mais um petista graúdo, corrupto confesso, apanhado pela Operação Lava Jato. Como foi noticiado, trata-se de Antonio Palocci, figura de proa nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Pode ter sido apenas uma infeliz coincidência, claro, mas pouco importa. Fato é que a decisão monocrática de Dias Toffoli, um ministro que dá mostras de estar cada vez mais determinado a arruinar o que ainda resta de reputação institucional ao Supremo, em nada contribui, muito ao contrário, para o resgate da aura de imparcialidade que há de orientar a Corte durante o julgamento mais importante do País sob a égide da Constituição de 1988 – a mesma que teria sido rasgada se o golpe urdido nos estertores do governo Bolsonaro tivesse prosperado.
O julgamento do ex-presidente não pode apenas ser isento; ele precisa parecer isento. Trata-se de um processo crucial para o futuro próximo do País, com óbvias implicações políticas e sociais. O que está em jogo, afinal, é a punição exemplar daqueles que, como sustenta a Procuradoria-Geral da República (PGR), tentaram derrubar a democracia brasileira com emprego de violência para satisfazer um vil desejo de poder, ainda que o preço dessa ignomínia fosse a morte de concidadãos.
A técnica e a imparcialidade do Supremo, portanto, são os únicos antídotos contra futuras contestações que possam levar à impunidade. À vista de todos, aí estão os erros que foram cometidos por agentes do Estado no curso da Lava Jato e o diligente labor de Dias Toffoli para destruir todo o trabalho da operação sem qualquer cuidado ou matiz. Hoje, criminosos confessos podem posar de “vítimas” e rir do sistema de Justiça, iluminando os riscos que a má condução do processo contra os golpistas representa para a higidez do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Bolsonaro é uma figura polarizadora, para dizer o mínimo, e sempre estimulou a cizânia contra o STF, de modo que o desgaste para a Corte está contratado. Seja ele condenado ou absolvido, a decisão reforçará as suspeitas de muitos cidadãos, satisfeitos ou não com o resultado, de que o Supremo se tornou um centro de intervenções políticas nos rumos da vida nacional.
Não que o Supremo tenha de se preocupar com a repercussão de seus julgados perante a opinião pública. Afinal, somada às garantias da magistratura previstas na Lei Orgânica e na Constituição, a natureza contramajoritária da Corte serve justamente para que suas decisões pairem acima dos interesses que elas possam frustrar e, sobretudo, para assegurar aos ministros a tranquilidade necessária para que decidam as lides com técnica e imparcialidade.
Isso não significa, contudo, que o STF exerça um poder olímpico sobre a Nação, como se decidisse para as suas paredes de mármore. Não faria mal um pouco mais de sensibilidade às críticas e aos apelos por contenção vindos de cidadãos de boa-fé. Se é certo que o julgamento de Bolsonaro provocará desgaste ao STF, quão profundo será depende exclusivamente do comportamento de seus próprios ministros. Vale dizer: mais do que nunca, o Supremo precisa se ajudar.
E o Supremo não se ajuda, por exemplo, quando o ministro Alexandre de Moraes, suposta vítima e, ao mesmo tempo, investigador e relator do processo, sinaliza resistência à transferência do julgamento da Primeira Turma para o plenário do STF, onde aumenta a chance de haver votos contrários à condenação de Bolsonaro. O Regimento Interno assegura ao relator a prerrogativa de decidir em que esfera a ação penal sob sua relatoria será julgada. Por outro lado, a Corte não é propriamente conhecida pela solidez de sua jurisprudência. O entendimento dos ministros sobre as competências do plenário e das turmas já mudou um sem-número de vezes, a depender de quem estava sendo julgado. Ou seja, é uma questão de bom senso.
Não é só o futuro penal de Bolsonaro que será definido no julgamento; o próprio STF estará sob escrutínio. Por isso, a Corte deve dar um exemplo de transparência e isenção.