
Por Estadão
A combinação entre juros altos, inflação elevada e economia menos pujante perfaz um cenário difícil para os consumidores, mas não somente para eles. Empresas, sobretudo as de menor porte, também têm tido dificuldades para gerar caixa e honrar seus débitos, e a perspectiva de que essa conjuntura não mude no médio prazo torna tudo ainda mais desafiador.
Reportagem do Estadão mostrou que 120 empresas de capital aberto e volume baixo de negociações em bolsa, conhecidas como small caps, precisariam de um caixa três vezes maior do que aquele que geram atualmente para pagar suas dívidas, segundo levantamento da assessoria financeira Sêneca Evercore. Entre 2021 e 2022, o indicador estava mais próximo de duas vezes. Já o índice de cobertura, que mede a capacidade de saldar custos financeiros, caiu de 2,6 em 2021 para 1,4 no ano passado. Quanto mais baixo, menor é a capacidade de a empresa liquidar suas despesas.
Outro estudo mencionado na reportagem, este da RK Partners, escritório responsável por algumas das principais reestruturações de empresas do País, tomou como base uma amostra de 307 companhias de capital aberto e revelou que 25% delas não têm como pagar suas despesas financeiras.
Não há como não associar essa piora à evolução da taxa básica de juros ao longo desse período. Entre agosto de 2020 e março de 2021, durante a pandemia de covid-19, a Selic permaneceu em 2% ao ano. De um lado, isso contribuiu para aliviar as dificuldades das empresas em um momento desfavorável para o mundo todo. De outro, muitas companhias aproveitaram os juros historicamente baixos para se financiar e fazer aquisições.
Mas a situação foi passageira e pegou muitas empresas de surpresa. Com o retorno da inflação, o Banco Central (BC) rapidamente começou a elevar os juros, e em menos de um ano e meio eles saltaram de 2% ao ano para 13,75% ao ano – patamar em que ficaram de agosto de 2022 a agosto de 2023. A Selic voltou a cair nos meses seguintes, mas a trégua acabou em setembro de 2024, quando o BC iniciou o mais recente ciclo de alta.
Hoje, a Selic está em 13,25% ao ano, e a tendência é de que ela chegue a 14,25% na reunião deste mês. No mercado, a previsão é de que ela encerre o ano em 15%. Com juros nesse patamar, qualquer empresa que tenha uma dívida superior a 2,5 vezes sua geração de caixa já pode ser considerada muito endividada, disse Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK Partners.
Previsivelmente, muitas empresas entraram em recuperação judicial e extrajudicial nos últimos anos. Entre as pequenas, os pedidos aumentaram 70% nos últimos dois anos, e entre as médias, o avanço foi de 35%. Mesmo as companhias de grande porte, que têm acesso a capital mais barato, tiveram aumento de 8% nos pedidos de proteção entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2024.
Com taxas tão altas, é compreensível que os empresários prefiram ativos sem muito risco, como títulos públicos, a investir em projetos próprios que muitas vezes exigem captação de recursos. Recentemente, o empresário Rubens Ometto declarou que, se há “condição de aplicar o seu dinheiro a 15%, 16%, em alguns casos a 20%, 25% ao ano”, graças aos juros altos, não há razão para investir em produção e correr riscos. Em suas palavras, o empresariado fica “vagabundo”, “sentado na cadeira sem fazer nada, e o dinheiro não produz”.
Em contrapartida, quem tem a ousadia de investir em um cenário tão adverso pode rapidamente se encalacrar caso não consiga gerar caixa suficiente para se manter até que os novos projetos comecem a dar retorno. Mesmo grandes geradoras de caixa têm dificuldades para reduzir seu endividamento.
Nesse contexto, aderir ao apelo de Lula da Silva, que defende a redução da taxa de juros no grito, seria tão fácil quanto enganoso. É justamente a política fiscal expansionista que está por trás do aquecimento da economia e do aumento da inflação – e se a Selic voltou a níveis tão elevados, é porque essa é a principal arma do BC para tentar domá-la.
O presidente, no entanto, prefere culpar os outros a reconhecer que também cabe a ele contribuir para a criação de um ambiente favorável a uma redução estrutural da taxa básica de juros. Atitudes como essa garantem que ela permaneça elevada por ainda mais tempo.